A tendência de centralização gradual nas criptomoedas

A tendência de centralização gradual nas cri

TLDR. 

Minha tese é de que as criptomoedas que utilizam recompensas financeiras diretas para a validação das transações – normalmente através do Proof of Work (PoW) ou Proof of Stake (PoS) para o consenso, acabam ficando mais centralizadas no decorrer do tempo, levando a uma piora na segurança. 

Este fenômeno ocorre principalmente pelo aumento constante do suprimento – supply, existência de taxas e recompensas de blocos inerentes ao protocolo. 

Criadas para serem descentralizadas 

Antes de começar, é importante deixar claro que o valor das criptomoedas está diretamente atrelado à descentralização. 

O Bitcoin surgiu frente à demanda por uma alternativa ao sistema financeiro e monetário tradicional que enfrenta muitos problemas principalmente devido às suas características centralizadas, arbitrárias e vulneráveis à ações do conluio de instituições dominantes. 

Como é o caso do dinheiro fiduciário (controlado por governos e sujeito à interesses políticos, lobby, etc) e do mercado financeiro altamente regulado e dominado por grandes conglomerados, corporações, intermediários e fundos. 

Captura de tela do whitepaper do Bitcoin

“Bitcoin: Um Sistema de Dinheiro Eletrônico Ponto-a-Ponto”. 

Foi sob essa visão que o Bitcoin foi idealizado e foi graças à essa visão que o Bitcoin cresceu e ganhou valor de mercado, atualmente superando quase todos os ativos globais existentes em capitalização de mercado. 

A segurança da rede e o valor do Bitcoin, estão diretamente ligados à sua descentralização. Qualquer ameaça à essa descentralização ou sistema “ponto-a-ponto” (sem intermediários), poderia impactar diretamente, não só a segurança, mas qualquer valor que ele tenha para o mercado. 

Algo parecido também ocorre com a rede Ethereum. Que apesar de não ter sido criada para ser dinheiro digital peer-to-peer, visa ser: 

Whitepaper do Ethereum

“A Próxima Geração de Contratos Inteligentes e Plataforma de Aplicações Descentralizadas”. 

Validação no Bitcoin (PoW)

A validação no Bitcoin tem o principal objetivo de evitar o gasto duplo – double-spend (o surgimento da blockchain é inovador, pois foi a primeira tecnologia a conseguir solucionar o problema da escassez digital). Segundo explicado pelo próprio Satoshi Nakamoto no whitepaper, a rede realiza timestamps nas transações ao transformá-las em hashs e incluí-las em uma cadeia de blocos baseada em hashs geradas por prova de trabalho – proof of work.

A maior cadeia de blocos, não apenas serve como prova dos eventos testemunhados pela rede, como também provam que ela deriva do maior conglomerado de poder computacional.

Quanto maior se torna a cadeia de blocos – blockchain, mais poder computacional é necessário para reverter essa cadeia. Aumentando, em teoria, a segurança, pois possíveis atacantes precisariam investir muitos recursos em poder computacional para afetar a legitimidade da rede.

Isso por si só já gera um problema de centralização, mas chegaremos lá.

Incentivos no Bitcoin (PoW)

A ação de descobrir novos blocos (transformar transações em hashs e organizá-las em um sequência assegurada por prova de trabalho) foi batizada de mineração. Os nodes que realizam a mineração são chamados de mineradores.

Minerar Bitcoin oferece recompensas que visam incentivar a continuidade do trabalho em validar a rede. Por consumir muitos recursos – principalmente em momentos de alto tráfego, a rede foi construída fundamentada nestes incentivos diretos.

Estas recompensas consistem em (A) um subsídio de bloco (sendo atualmente de 6.25 BTC por bloco – diminuindo pela metade periodicamente com o halving) que aumenta o supply em circulação até um máximo de 21 milhões BTC.

E (B) taxas de rede que são retiradas do montante enviado (não afetam o supply circulante) em cada transação, com o objetivo de aumentar a prioridade da transação e a velocidade de validação da mesma por parte dos mineradores. Quem envia, paga uma taxa “extra” para quem minera.

Mineração de Bitcoin é um negócio.

Um grande negócio com receita diária de ~U$60M (neste momento) e focado em uma implacável eficiência de custo.

No alt text provided for this image

As despesas totais de um minerador consistem em:

  • Custo energético;
  • Custo de banda (internet);
  • Compras e baixas contáveis dos ASICs (equipamentos de mineração);
  • Aluguel, propriedade e custos fixos dos locais de instalação;
  • Manutenção dos equipamentos;
  • Equipe (quando necessário);
  • Monitoramento;
  • Etc.

Praticamente todas essas despesas estão relacionadas à economias de escala.

Quanto maior for o minerador, maior é seu poder de negociação para contratos de energia; contratos de internet; compras de equipamentos; aquisição de crédito (capital mais barato). E melhor consegue diluir seus custos fixos no local de instalação; na manutenção dos equipamentos; e na equipe.

Essa característica de economia de escala, somada com as recompensas e o protocolo do Bitcoin, geram uma tendência gradual de centralização no decorrer do tempo, que é inevitável.

Os maiores mineradores tem menos custo-base, fazem mais lucro, são capazes de reinvestir mais em seu negócio e aumentam sua participação no consenso com o tempo.

Com o passar do tempo, eles ficam ainda maiores e também aumentam as barreiras (e desincentivos) para a entrada de novos mineradores menores.

Hoje já chegamos em um ponto em que a mineração doméstica de Bitcoin não é mais rentável, pois ela ocorre através da competição. Apenas um minerador pode descobrir um bloco, então a chance de um pequeno minerador doméstico conseguir fazê-lo antes de um grande minerador é baixíssima, enquanto ele paga todos os custos relacionados.

A falta de rentabilidade da mineração doméstica faz com que a indústria seja dominada por grandes empresas de mineração, ou por instituições denominadas pools de mineração. Que nada mais são do que cooperativas entre pequenos mineradores, ou empresas que “contratam” pequenos mineradores, concentrando o poder de hash em um único node e depois distribuem recompensas proporcionais aos participantes da prova de trabalho.

Trazendo menos descentralização e mais dependência e confiança em terceiros.

Este fenômeno não chega a ser um problema a nível econômico, ético ou mercadológico, mas definitivamente vai contra os princípios de um dinheiro peer-to-peer, que foi criado para não depender da confiança em nenhuma instituição ou grupo de instituições. Ele afeta a segurança da rede e, consequentemente, ameaça seu valor.

Podem argumentar que a descentralização da rede não está nos mineradores, mas nos nodes observadores. E em parte isso é verdade.

Os nodes são aqueles que armazenam – de forma descentralizada e distribuída, toda a blockchain e os registros das transações realizadas. Podendo simplesmente não aceitar dados suspeitos fornecidos pelos mineradores, ou ignorar dados enviados por mineradores específicos.

Mas sem os mineradores, não existem blocos.

E como o próprio Satoshi Nakamoto descreveu, a legitimidade da cadeia de blocos está vinculada àquela com maior poder computacional, portanto diretamente ligada e dependente dos maiores mineradores capazes de gerar essa prova de trabalho.

Aquelas pessoas que investem em outras moedas baseadas em PoW, diferentes do Bitcoin, podem pensar que elas solucionam esse problema. Talvez realmente solucionem, mas na maioria das vezes não é isso que ocorre. Os incentivos e a tendência são as mesmas para quase todos os protocolos com consenso por Proof of Work. O Bitcoin é apenas o mais visível e o mais pesquisado, mas os fundamentos são, quase sempre, os mesmos.

Validação e Incentivos para o Proof-of-Stake (PoS)

Existem muitas variações de consenso PoS, mas os pontos em comum são que a validação é efetuada sob a condição de travar uma certa quantidade de moedas/tokens para garantir a segurança da rede; no caso de ações maliciosas estes tokens travados estão sob o risco (at stake) de serem perdidos; existe uma recompensa por manter os fundos travados que pode ser através de recompensas pré-definidas de bloco (como na mineração) e/ou taxas de rede.

No Ethereum, por exemplo, um validador é escolhido de forma aleatória pelo protocolo para descobrir um novo bloco e recebe a recompensa de bloco correspondente (2 ETH), além do gas (taxa da rede) utilizado na transação (que com o London Upgrade agora é gerado de forma automática de acordo com o tráfego).

Mas nem todo mundo pode ser um validador. Para se tornar validador no Ethereum, é preciso travar uma quantia fixa de 32 ETH (~U$128,000.00 no momento em que escrevo). Não é preciso muito esforço para perceber que as barreiras para a entrada de novos validadores é extremamente alta e deve aumentar com o tempo (conforme aumenta o preço do Ether no mercado).

Além disso, uma mesma instituição pode configurar diversos nodes, travando o valor de 32 ETH diversas vezes e com isso conseguindo uma maior dominação no consenso. Recebendo mais recompensas, reinvestindo mais e assim por diante. Mais economia de escala e mais centralização gradual.

Estas barreiras novamente incentivam a criação de pools (conglomerados) de staking, onde centralizamos a validação na mão de alguns nodes e dependemos destes intermediários realizarem a distribuição das recompensas para seus investidores. Quanto mais altas as barreiras (no caso do Ethereum, quanto maior a capitalização de mercado e o preço unitário do Ether), maior o incentivo à centralização e menor diversificação no consenso.

O que também gera um efeito de economia de escala, onde as maiores pools recebem mais recompensa, conseguem melhorar seu sistema, crescem mais e são menos afetadas pelo travamento dos fundos (32 ETH). Conglomerados menores (ou validadores solo) podem precisar de uma liquidez maior destes fundos por necessidades contábeis.

No DPOS (Delegated Proof-of-Stake) algo semelhante ocorre. Com a diferença de que todos os usuários da rede podem participar indiretamente do consenso ao delegar seu stake para validadores previamente selecionados. Essa delegação também trava os fundos e também os coloca em risco no caso do validador escolhido agir de forma maliciosa, mas diferente do PoS do Ethereum, a validação não ocorre de forma aleatória, onde 1 node é igual a 1 voto, mas através de votos transmitidos à rede. Com peso equivalente à quantia investida/travada.

Os incentivos para que os usuários aceitem abrir mão de sua liquidez (normalmente com travamentos que duram dias para serem liberados após solicitação) são o pagamento de partes proporcionais às taxas cobradas das transações efetuadas na rede. Estes pagamentos normalmente são medidos como APR% ou APY%.

E aqui, apesar de não existirem barreiras tão diretas de entrada de pequenos validadores, existe outro fenômeno ligado à economias de escala (mais similar ao que ocorre no PoW) que é o fato de quanto maior o valor “stakeado”, maiores as recompensas recebidas, maior o valor que pode ser reinvestido, novamente gerando maiores recompensas, mais reinvestimento e assim por diante. Novamente enfrentando o problema de que quanto maior o investidor, menos impactado pelo travamento de liquidez sobre os demais.

E repito que nada disso é um problema ético ou mercadológico em minha opinião. Mineração e validação, nestes casos, são um negócio em um livre mercado e tudo bem.

Mas é inegável que isso causa uma centralização gradual no decorrer do tempo, afetando a segurança das redes e indo contra os princípios de descentralização que garantem o valor desta indústria. Um paradoxo.

Possível solução para o problema de centralização

O ponto em comum nestes sistema de consenso que tendem a centralização é que eles oferecem recompensas monetárias diretas. Essas recompensas são oferecidas em compensação pelo investimento em hash power e por travar parte dos fundos para manter a rede segura. Recompensas monetárias são o incentivo necessário para fazer com que as pessoas gastem dinheiro em equipamentos e energia; para deixar suas moedas menos utilizáveis; ou suprir outras formas de risco e custo.

A solução mais simples então é remover estas recompensas monetárias.

Remover os subsídio de blocos, remover as taxas e com isso acabar com a centralização no decorrer do tempo inerente ao protocolo, já que os grandes não ficam maiores.

Mas da mesma forma que isso elimina a centralização gradual, isso também faria com que o Bitcoin e outras moedas PoW/PoS ficassem menos seguras. Mineradores iriam parar de minerar, stakers iriam parar de fazer staking. A hashrate iria cair, deixando o Bitcoin vulnerável à qualquer minerador que decidisse ligar suas ASICs outra vez.

No entanto, o universo de criptomoedas não termina com o Bitcoin.

Nano é o projeto que tentou mudar o desenho do protocolo de forma radical. Com zero taxas e zero inflação, ela não possui incentivos monetários diretos. Sem estas recompensas monetárias, a constante pressão centralizadora é removida.

O desafio de manter a rede segura é solucionado ao se criar uma rede que é valiosa por si mesma e que agrega valor a qualquer um que a utilize. Nano oferece transferências instantâneas e sem taxas, oferece uma RESERVA DE VALOR que é sustentável, descentralizada e com supply fixo limitado (verdadeiramente escassa desde sua criação).

Não é preciso oferecer recompensas diretas, pois as recompensas indiretas já são imensuráveis. Comerciantes, exchanges e outros negócios (como é o caso da 2Miners) são beneficiados diretamente por usar Nano. Reduzem custos, reduzem a latência das transferências, aceleram processos, não sofrem com inflação nem falta de liquidez. E qualquer usuário pode rodar um node por aproximadamente U$20.00 mensais em serviços de hospedagem em nuvem.

No alt text provided for this image

“O argumento de descentralização da Nano é forte porque é o sistema mais simples e com menor risco em que as pessoas possam participar do consenso. De um ponto de vista econômico: a necessidade de se ter despesas de capital e oferecer recompensas monetárias resultará em economias de escala tentando minimizar o custo de capital e maximizar o retorno, o que leva inevitavelmente à centralização”.

Esta teoria já vem se provando verdadeira por mais de cinco anos. Exchanges como Binance e Kraken já rodam seus próprios nodes. Aplicativos de Nano como Natrium e WeNano já rodam nodes próprios. Negócios desenvolvendo dentro da rede Nano como WirexKappture465DI e 2Miners já rodam nodes próprios. Centenas de outros nós também são mantidos por pequenos negócios, entusiastas ou grandes holders.

Com uma combinação de incentivos e os nodes sendo relativamente baratos, nunca houve falta de validadores na Nano.

Na rede da Nano, o consenso funciona através de um sistema denominado ORV (Open Representative Voting), onde 1 nano é igual a 1 voto sempre. Todas as unidades online participam ativamente do consenso, sem necessidade de travamento de fundos e, portanto, sem necessidade de compensação monetária.

Cada conta pode escolher delegar seu poder de voto para representantes que rodam nodes e os mantém 24h online e votantes, mas nada os impede de rodarem seus próprios nodes se assim decidirem.

Além disso, caso o representante escolhido não cumpra com as expectativas, fique offline ou comece a receber muito poder de voto da rede (seja pela compra própria e acumulação de NANO ou por delegação de outras contas) ou realize ações maliciosas com a intenção de prejudicar a rede, os delegadores podem imediatamente escolher outro representante. Sendo a troca limitada apenas pela velocidade de uma transação comum, sem maiores complicações.

Falando sobre votos, os incentivos são novamente bem claros e alinhados. Sem a presença de taxas e sem recompensas monetárias, não existe nenhuma razão para qualquer validador querer uma grande quantia de poder de voto. Como um holder de Nano, não existe nenhuma razão para votar por um representante que já tenha uma grande quantidade de poder de voto delegado à ele.

O incentivo é espalhar o poder de voto e, ao fazer isso, aumentar a resistência contra ataques, aumentar a segurança e aumentar o valor de seu próprio investimento. Repetindo, os holders de Nano não possuem nenhum motivo para delegar votos à qualquer node que já tenha grandes quantidades de poder de voto e qualquer node que esteja tentando ganhar uma grande quantidade de poder no consenso imediatamente seria monitorado e tratado de forma suspeita, fazendo com que seu poder de voto rapidamente seja perdido.

Ok, tudo isso é muito legal e parece até bom demais para ser verdade… Mas funciona?

Nano tem mantido uma mainnet descentralizada rodando por mais de 5 anos. Sem nenhum centavo pago em taxas e com um supply fixo e limitado desde o início, os incentivos nunca mudaram. Nesse tempo todo, com mais de 130 milhões de transações, Nano nunca teve sequer um double-spend (gasto duplo) ou uma chain reorg (reorganização da cadeia de blocos), coisas que outras criptomoedas não podem dizer o mesmo. No decorrer de todos estes anos, tivemos vários validadores de forma consistente, validando a teoria de que sem taxas e sem inflação, já existem razões suficientes para ajudar no consenso.

Sem mineração e sem staking na Nano, a centralização com o decorrer do tempo não existe em seus fundamentos. Levando-me a acreditar que, diferente da maioria das criptomoedas, ela tem sua estrutura de incentivos bem alinhada.

Alguns links interessantes sobre os problemas de centralização citados no decorrer do artigo:

  1. Trend of centralization in Bitcoin’s distributed network.
  2. Decentralization in Bitcoin and Ethereum Networks.
  3. A Deep Dive into Bitcoin Mining Pools.
  4. Centralisation in Bitcoin Mining: A Data-Driven Investigation.
  5. Miner Collusion and the Bitcoin Protocol.

ptomoedas

- Anúncio -spot_imgspot_img
spot_img