Durante sua campanha presidencial, o candidato argentino Javier Millei defendeu como prioridade econômica do seu governo acabar com o banco central argentino.
Para os Bitcoiners mais fervorosos, tal declaração se apresenta como uma carta branca para a comunidade Bitcoinizar a economia argentina, uma vez que a nova proposta monetária para a economia é baseada na livre escolha do cambio e concorrência entre moedas. Todavia, a proposta de extinção do Banco Central Argentino pode trazer consequências ruins no longo prazo. A seguir vamos discorrer sobre regimes monetários, o papel do Banco central e como o Bitcoin entra na economia.
Qual é o papel do Banco Central e porque ele é importante?
Tradicionalmente o banco central é responsável pela oferta de moeda, implementação da política monetária, supervisão e regulamentação do sistema financeiro e controle da inflação. Com isso podemos perceber que Bancos Centrais cuidam de diversos assuntos, e quando eles falham no controle da inflação, a população tende a se enfurecer achando que acabando com os médicos as doenças param de ser diagnosticadas.
Na prática, acabar com o Banco Central e adotar moedas estrangeiras como meio de transação interno pode gerar mais problemas do que soluções, como por exemplo abrir espaço para que outros assuntos, como regulação de entidades do sistema financeiro, estejam sob controle político à mercê de interesses eleitoreiros e lobistas. Além disso, o país perde qualquer controle e capacidade de realizar políticas monetárias em tempos de recessão ou demais alterações na demanda interna, contando apenas com a sorte e competência de outros bancos centrais que regem suas próprias moedas.
No que diz respeito ao comércio internacional, a adoção de outras moedas pode gerar dificuldades competitivas, uma vez que a moeda local não estará mais em jogo nas transações comerciais, o que pode aumentar os custos de exportação e prejudicar a competitividade no mercado global. Ademais, a dolarização pode dificultar o ajuste de preços relativos e causar distorções na economia, uma vez que os preços internos se tornam mais sensíveis às mudanças nas condições internacionais.
O papel do Bitcoin
Além das propriedades de descentralização, escassez e auto custódia, o Bitcoin carrega dentro de si um fator crucial para o avanço da economia: A tecnologia. O poder de registro da Blockchain pode trazer outras alternativas para as massas, como por exemplo, commodities tokenizadas, que possuem maior valor real percebido pelas forças de demanda da economia.
Apesar de o Bitcoin possuir ampla adoção, grande parte do seu preço ainda é formado por forças especulativas e não possui uma das principais características da moeda: reserva de valor. Todavia, isso não o impede de ser utilizado em cenários de instabilidade governamental até que a ordem seja restaurada e os indivíduos voltem a restabelecer relações mercantis utilizando uma mesma unidade de conta. Percebam que a utilidade do Bitcoin enquanto meio de transação é condicionada a um cenário político instável e passageiro, todavia, sua tecnologia pode trazer grandes revoluções para o mercado de transações, uma vez que sua Blockchain é considerada a única verdadeiramente descentralizada e seus desenvolvedores estão trabalhando para implementar novas funcionalidades e padrões de tokens.
Uma das hipóteses possíveis para o uso de moedas alternativas são os tokens relacionados a RWAs (Ativos do mundo real). Em tempos de desconfiança, o escambo digital lastreado em commodities e direitos, facilitam o transporte de itens que tenham valor real para a sociedade e recriam a confiança por meio de um lastro capaz de representar valor por meio das forças de demanda por ele.
Conclusão
Embora a proposta de Javier Millei de extinguir o Banco Central Argentino possa parecer uma oportunidade para os defensores mais fervorosos do Bitcoin, essa abordagem pode acarretar em consequências indesejáveis no longo prazo. A manutenção de um Banco Central desempenha um papel crucial na regulação e estabilidade da economia, garantindo a implementação eficaz da política monetária e a supervisão do sistema financeiro. Ademais, a substituição de moedas locais por estrangeiras pode acarretar em desafios comerciais e perda de controle sobre as políticas monetárias internas. Enquanto o Bitcoin traz consigo inovações tecnológicas e pode ser útil em momentos de instabilidade, seu uso como meio de transação é condicionado a cenários transitórios de incerteza política. A potencial utilização de tokens relacionados a ativos do mundo real poderia fornecer um meio alternativo de transações baseado em commodities, restaurando a confiança por meio de lastros tangíveis de valor. Dessa forma, uma abordagem equilibrada que integre a tecnologia do Bitcoin com a estabilidade oferecida pelo sistema bancário central poderia ser uma direção mais promissora para a economia argentina.